quinta-feira, 10 de abril de 2014

Pain VI

Finalmente, depois de muitos meses, voltamos a falar do caminho da dor. O sexto caminho da dor encerrará a nossa reflexão sobre o sofrimento.
A solidão é o sexto caminho da dor, é a ausência plena da alteridade e significa o isolamento.
O que eu quero dizer, em outras palavras, é que a solidão é a condição de sofrimento na qual determinada pessoa se sente isolada, não conectada a nada ou a ninguém.


A solidão significa ausência do ente amado, significa desconexão com o mundo. Nesse sentido a solidão é pior que a morte, porque a pessoa solitária estranha tudo a sua volta, justamente por não se sentir integrada à sua comunidade (comunidade aqui em sentido amplo, quer dizer todas as relações do seu microcosmo político, o microcosmo político não se reduz as relações interpessoais, mas também os lugares comuns como Igreja, vizinhança, escola etc.).


Nesse sentido a solidão é uma experiência marcadamente dolorosa, porque a estranheza causada pela desconexão com o mundo vivido gera na pessoa solitária uma dor dilacerante de cunho existencial, tudo é tão diferente, é uma alteridade abismal que não há reconhecimento do seu lugar de pertença na comunidade.
Contudo, a solidão não é uma forma de solipsismo, não é um isolamento cognitivo do mundo, não é como se o mundo só existisse na cabeça da pessoa solitária.


A solidão é a experiência do não reconhecimento, é a forma de se perceber como alteridade diante da alteridade. De fato, a solidão tal como é compreendida aqui é literalmente se sentir sozinha, o que, com efeito, traduz a angustia de viver o estranhamento no mundo.


Por um lado, há a solidão no sentido de está sozinho, ser solitário nesse caso significa não ter companhia, amigos, uma namorada, o que pode ou não trazer essa angustia própria do não reconhecimento.  Por outro lado, a solidão como desconexão com o mundo é uma intuição existencial, na qual ainda que você se relacione com as pessoas você vai se sentir estranho em relação a elas, como se a sua pessoa não se identificasse em nada com as demais, seja porque no fundo a pessoa sente que seus valores e sua compreensão do mundo não se adequa a dos demais, seja porque a existência em si dói gerando o estranhamento.


A solidão, então, faz com que a pessoa se sinta um alien, no sentido próprio da palavra (alien vem do grego allos: “outro”) tem a experiência da estranheza e sofre com ela, pois se esforça para se reconhecer no mundo e ser reconhecido, afinal de contas a comunidade existe dentro da esfera do reconhecimento, eu me reconheço no olhar do outro, tal qual o outro se reconhece no meu olhar e assim, de algum modo, sabemos que eu não sou o outro, em outras palavras é o reconhecimento que dá forma à identidade.


A solidão como dor de existir evoca o sentimento de quem não se sente parte do mundo, basta imaginar um cenário em que uma pessoa vai a um país com uma cultura totalmente oposta à sua, oque irá acontecer? No primeiro momento haverá o choque cultural e depois a tentativa de adaptação, a tentativa de adaptação passa pelo processo de estranhamento da cultura alheia e o esforço de se adaptar traz sofrimento, pela necessidade de ser reconhecido pelo espaço cultural no qual a pessoa foi inserida, o sofrimento acontece porque a pessoa não vê o reconhecimento de si mesma, é como olhar o espelho e não se vê nele, mas ver outra coisa, ou não ver nada.  Talvez seja isso que signifique a ideia de que o vampiro não é capaz de se ver no espelho, ele não se reconhece em sua monstruosidade, quero dizer há uma perda existencial do seu caráter humano que não é reconhecido, e de certo modo, o vampiro exprime a solidão como isolamento não reconhecendo os seres humanos enquanto iguais, mas enquanto alimento transferindo sua monstruosidade para a humanidade, com efeito, ao negar sua monstruosidade (não se vendo no espelho) ele também de alguma maneira rejeita a sua humanidade caçando humanos.


Para finalizar o sexto caminho da dor é percorrido melancolicamente por quem se estranha diante do mundo, muitas vezes sofre em silêncio. Não consegue exprimir sua relação com o mundo de modo que outras pessoas entendam se sente incompreendido e mesmo pouco amado, uma vez que o amor pressupõe reconhecimento mútuo e, portanto, acolhimento.
A solidão, portanto, traduz-se como dor silenciosa da existência manifestada na doença do estranhamento que nos faz sentir como monstruosidades, como um Drácula que não se vê no espelho do mundo.